UK Asexuality Conference 2020 – Research (Pesquisa)
Para acessar o texto em pdf, clique neste link.
Daniel começa apresentando o sistema de perguntas do SliDo e avisa sobre o email do evento caso alguém queira entrar em contato referente a algum assunto citado ou questões administrativas (UKAceCon2020@gmail.com). Em seguida ele inicia a roda de apresentação dos convidados.
Keith Derrick é um candidato a doutorado na universidade estadual de George. Ele vai pesquisar sobre a representação ace na literatura britânica do século 19, mesmo que não cite diretamente a assexualidade, ele busca encontrar obras que surgiram assexualidade de alguma forma através da noção Kantiana de propósito e intencionalidade.
Ele busca por personagens românticos que possam ser lidos como assexuais, como, por exemplo a Lady de Lorde Byron, que é descrita como não tendo interesse apelativo em seu marido, mesmo amando ele. Ele diz que é diferente do “personagem assexual robótico” que vemos estereotipado. Seu propósito na pesquisa é comprovar que a assexualidade sempre tem existido, além de ajudar na criação de um canon literário que vai somar a literatura num geral.
Meghan é uma professora assistente de sociologia na universidade estadual da Califórnia. Ela também é especializada em gênero, família, sexualidade e movimentos sociais e está construindo um novo projeto de pesquisa sobre assexualidade em parceria com comunidades assexuais. Agora ela está focando na identidade queer dentro da comunidade ace e, para isso, está usando o censo da comunidade assexual de 2018 para analisar quem se identifica tanto no espectro ace quanto com queer. Ela também elogia o Ace community census e pede para as pessoas seguirem ela no twitter (@MCSociology), pois ela frequentemente comenta sobre esses dados, e está procurando pessoas para participarem do seu projeto.
Sasha K também é uma candidata a doutorado na área de ciência e psicologia. Ela estava trabalhando, com outras duas pessoas já conhecidas do meio das pesquisas sobre assexualidade (Caroline Bauer e Dr. Lori Brotto), em um estudo relacionado a assexualidade e o consumo de alcool que, foi publicado recentemente. Esse tema foi escolhido porque a literatura num geral indica que a população LGBTQ tem tendências maiores a beber do que a população em geral, então eles queriam averiguar se o mesmo ocorria com pessoas assexuais, porém, a descoberta foi o oposto: assexuais tendem a beber menos do que a comunidade LGBTQ e a população no geral.
Joseph é um sociólogo qualitativo que pesquisa não só a assexualidade, mas questões maiores que eles chamam de “sexual engender citizenship” (algo como, criação sexual da cidadania) que é a ideia da vida pessoal se tornando políticas públicas. Ele finalizou no ano passado sua tese com o titulo ““Asexy and we know it”: The Emergence of Asexual Activism as a Sexual and Gender Social Movement”, na qual ele entrevistou 19 ativistas assexuais em Paradas do Orgulho ao redor do mundo. Nessa pesquisa ele percebeu que há diferenças entre os ativismos Assexual e de outros grupos da comunidade LGBTQ, então está finalizando os detalhes nessa parte para publicar.
Passadas as introduções, Daniel faz a primeira pergunta enviada pelo público no SliDo:
“Vocês lidaram com dificuldades em termos de conseguir que as pessoas levassem suas pesquisas a sério ou dificuldades com publicação? Como vocês se sentem com isso?”
Sasha começa respondendo que ela definitivamente teve dificuldades em conseguir estudos sobre assexualidade publicados. Por exemplo, nesse último sobre álcool e assexualidade o estudo teve que passar por três rounds de revisão e houveram alguns embates com os revisores que não compreendiam que algumas questões não devem ser inalteradas pois isso alteraria a “experiência assexual”. Alguns dos revisores sugeriram tirar a greysexualidade do estudo pois era muito “ambiguo” e eles tiveram que bater de frente e, felizmente, por terem duas pessoas assexuais trabalhando na pesquisa, conseguiram manter.
Joseph fala que, como está com um trabalho em revisão exatamente agora, é um problema presente. Por exemplo, por ser publicado em uma revista de sociologia, ele tem que fazer seu trabalho ser “mais sociológico”, ele tem que citar as “pessoas certas” etc. Ele diz também que tem que ser tudo muito explicativo, pois, por um lado, eles estão pedindo um trabalho super teórico e sociológico de verdade, mas por outro lado, eles estão constantemente o perguntando coisas básicas como a definição de Trans.
Joseph conta que chegou em um ponto no qual ele não quer nem mais mandar a pesquisa para eles, pois chegou num ponto em que eles viram para ele e perguntam “isso é ativismo de verdade? Não envolve pessoas que estão tomando tiros.” Ele diz que é cansativo e consome muito tempo, mas ele imagina que seja porque é algo novo.
“É como reescrever todos os passos para pessoas que você imaginaria que entenderiam, mas eles tem que ser explicados durante todo o percurso”
Joseph De Lappe
Keith começa contando que já recebeu várias pesquisas de volta e uma coisa que ocorre é que você tem que ter muitas referências acadêmicas no tópico, porém não existem muitas pesquisas acadêmicas sobre o assunto. Na sua pesquisa em específico, é complicado pois fica muito vago, já que não há muita literatura sobre personagens sendo interpretados como dos espectros assexual e arromântico. E se você não tiver essas referências, eles imediatamente descartam sua pesquisa, então é um pouco frustrante.
Megan diz que quando ela mencionou a primeira vez a assexualidade para o seu conselheiro da graduação ele a questionou se era mesmo importante falar sobre uma população tão pequena. Mas, por um outro lado, há muitas pessoas que estudam sexualidade e sociologia na américa que estão “sedentos” por esses estudos e querem aprender mais sobre isso. Então, ela diz que suas oportunidades de publicação tem vindo por convite, por exemplo ela já foi convidada algumas vezes para escrever sobre assexualidade em livros de outros autores.
Diante dessa dualidade de, um lado muito interessado e outro desinteressado, a dica que Megan dá a pesquisadores é preencher todos os requisitos que possam interessar antes de mencionar a assexualidade. Por exemplo, ela menciona que vai fazer um estudo sobre a sociologia da sexualidade, gênero, família etc. através da assexualidade, pois a assexualidade pode nos ajudar a entender teoricamente essas dimensões diferentes da sociedade.
Daniel aproveita a resposta de Megan para seguir para a próxima pergunta, que é relacionada:
“Existem revistas específicas interessadas no trabalho da assexualidade?”
Megan corrige que ela estava se referindo a livros e não revistas acadêmicas, mas dá a dica de procurar por edições específicas. Por exemplo a Feminist Formation fez uma edição especial sobre assexualidade.
Keith fala que sua dica é olhar a idade da revista, pois, revistas mais antigas, ao menos na área de literatura, tendem a ser organizadas por pessoas que tem uma visão muito específica do que querem baseado em tradições que eles tem a décadas ou mesmo um século. Ele diz ser difícil ir até essas editoras com um assunto muito novo e único sem antes ter um histórico de muitas publicações. Ele sugere revistas que começaram nos últimos 20 ou 30 anos.
Joseph adiciona que tem várias revistas que são bem abertas a pesquisas dentro da assexualidade, mas ainda assim sugere que as pessoas leiam a revista e garantam estar escrevendo o que eles querem ver e tenha certeza de que eles já não publicaram algo muito parecido antes. Ele conta que já foi convidado a avaliar artigos para publicação e três vezes já ocorreu de serem trabalhos com o mesmo tópico de pesquisa que já tinha sido publicado poucos anos antes. Ele diz que não dá para assumir que a revista é negativa, mas tem que ter cuidado e fazer um certo dever de casa antes e garantir que estará realmente adicionando conhecimento.
Sasha diz que é algo que depende muito no foco disciplinar que a sua pesquisa aborda, pois a assexualidade pode ser aplicada a muitas áreas de pesquisa diferentes, então tem de ter consideração com as premissas e estrutura teórica que geralmente nós tratamos como “o modo que pessoas pensam sobre essas coisas”. Por exemplo, se você procura uma revista da área da medicina, você tem que contextualizar historicamente questões como a patologização da assexualidade e como sua pesquisa trata disso.
Megan comenta sobre o que Joseph falou de “fazer o dever de casa” e que é complicado se manter totalmente informado pela frequência de novos conteúdos. É ótimo estarem surgindo novos artigos sobre, mas é difícil acompanhar, mesmo ela tendo um alerta do google para todo trabalho novo que mencione assexualidade. Mas ela concorda com ele que é importante se manter o mais informado possível.
Sem mais comentários sobre, Daniel muda o foco para a nova pergunta:
“Qual vocês acham que é uma área importante para futuras pesquisas sobre o espectro assexual?”
Joseph diz que sente que as ciências sociais qualitativas (da sua área) tem falhado em suas pesquisas por tender a falar com mulheres cis, brancas e jovens e não se esforçar em falar com assexuais mais velhos ou racializados. Ele elogia o trabalho em relação a pessoas com deficiência no reino unido, mas ainda tem muito o que explorar, como por exemplo a temática da masculinidade. Ele também está esperando por um trabalho sobre homens trans e trabalhos comparando as disparidades entre mulheres trans, mulheres cis, homens trans e homens cis.
Megan sugere o tema de assexualidade e raça, pois considera terem muito poucos trabalhos sobre isso nas ciências sociais. Ela também menciona o trabalho da pesquisadora Brittney Miles, que está estudando a adolescência feminina negra na assexualidade. Outra sugestão dela é sobre arromanticidade, que é muito negligenciada, e sobre isso fora de um contexto de subtema da assexualidade. Megan também comenta que tem uma lista de perguntas de pesquisa, que tem duas páginas, que ela criou em conjunto com o ACE Los Angeles sobre pesquisas que eles queriam ver.
Keith comenta que a área da literatura que ele encontra mais pesquisas que citem ou estudem assexualidade é a literatura britânica. Ele diz não conseguir lembrar de nenhum artigo que tenha citado literatura africana ou sul-americana e ele adoraria ver a assexualidade dentro dessas outras áreas. Keith considera importante considerar que essas diferentes identidades se interseccionam em quesitos étnicos, raciais, nacionais, sexuais ou românticos, e diz que seria interessante pesquisar essas interações . Ele exemplifica que o jeito que está formulando sua teoria sobre literatura britânica do século 19 não pode ser o mesmo para literatura chinesa.
Sasha adiciona que a o conteúdo disponível na literatura sobre assexualidade ainda é muito pequeno, por mais que esteja crescendo rápido, mas, por isso, existem muitas questões em aberto. Ela diz que qualquer pergunta que se possa responder já estará sendo uma contribuição válida, independente da disciplina.
Daniel passa para a próxima pergunta que é “Quais são os principais achados das pesquisas recentemente?” e diz ter uma específica para a Sasha sobre seus próprios achados.
“Quais são os principais achados das pesquisas recentemente?”
Sasha começa dizendo que, de forma bem resumida, há uma estatística significante de pessoas assexuais e gray-a apontando que elas tendem a beber bem menos do que a população LGBTQ e a população em geral (aproximadamente 70% menor a chance). O curioso foi que gray-as tendem a beber um pouco mais do que assexuais estritos. Os motivos para os quais as pessoas bebiam pouco eram para acompanhar o grupo de amigos, lidar com a ansiedade social ou a ansiedade sexual, enquanto as pessoas que não bebiam simplesmente não se importavam com isso. Outro motivo interessante foi que o álcool está frequentemente ligado a comportamentos e ambientes codificados como sexuais e muitos participantes ficavam ansiosos em relação a esses ambientes, então evitavam esses locais.
Megan comenta que acha engraçado que as pessoas presentes na mesa também não bebem, o que corrobora com a pesquisa de Sasha
Keith pergunta se teve algum tipo de investigação sobre padrões de consumo de álcool antes dessas pessoas se identificarem como assexuais.
Sasha explica que utilizaram dados quantitativos da base de dados do NAPSAL (national survey of sexual attitudes and lifestyle) e do Better Health Survey do nordeste da Irlanda. Além de que os participantes classificados como assexuais eram os que nunca experienciaram atração sexual, o que é uma definição bem limitada. Por isso, não foi possível saber a identidade das pessoas para fazer essa investigação prévia.
Joseph aproveita esse gancho para falar sobre as identidades dentro da assexualidade (que ele chama de “natural four”, por serem as que estamos acostumados a conhecer), e diz que elas provavelmente vão mudar. Ele fala sobre uma longa discussão sobre isso e sobre as pessoas estarem mais abertas a novas identidades no espectro que indiquem diferentes tipos de experiências diversas. Joseph acredita que isso pode ser um problema esse “desejo por ter uma população sincronizada”.
Megan volta a questão inicial dos principais achados nas pesquisas recentes e que tem um artigo em específico que ela recomenda a pessoas que não estão necessariamente na academia e que sumariza tudo até 2017. O nome é “Understanding asexual identity as a means to facilitate culturally competent care: A systematic literature review”. Ela diz que sempre recomenda para quem não está na academia e sugere esse artigo para apresentar aos próprios terapeutas, por ser de uma perspectiva da psicologia clínica. Independente dessa perspectiva, ela diz ser uma boa revisão sobre o que tem sido feito sobre assexualidade nas ciencias sociais.
Megan também observa que a comunidade ainda está muito distante da academia em conceitos da assexualidade e da arromanticidade, e é por isso que ela está tão dedicada em cooperar com ativistas.
Keith também indica um artigo dentro da área da literatura, escrito por Megan Arkenberg sobre Galahad (Rei Arthur) como um personagem assexual e como, lê-lo como assexual pode mudar a narrativa e seus significados. O título é “A Mayde, and Last of Youre Blood’: Galahad’s Asexuality and its Significance in Le Morte D’arthur”.
Megan retorna com mais uma recomendação, só que de um livro, chamado “Asexual Erotic”, que é uma base boa para artigos e traz uma análise queer da assexualidade.
Daniel traz outra questão:
“Vocês conhecem algum podcast ou mídia social de pesquisa ace, sem ser tipo artigos de revistas?”
Joseph respondeu que, por algum motivo essas alternativas não tem funcionado. Ele diz ter aceitado participar de um correio assexual, mas ninguém estava fazendo realmente. Ele acredita que isso possa mudar e que há um grande problema que é: muitas pessoas que tem feito pesquisas sobre assexualidade tem sido supervisionadas por pessoas de fora do campo. Ele acredita que com mais supervisões por pessoas assexuais (como ele começou agora), será possível formar mais conexão entre as pessoas da área e, aí sim, coisas como um podcast sobre pesquisa da assexualidade vai funcionar. Ele acredita que com essa mudança crescente será possível estabilizar uma rede de pesquisadores.
“Por muito tempo, pareceu um pouco que as pessoas estavam arando sulcos solitários em seus próprios departamentos, com supervisores que estavam sendo benevolentes mas não tinham entendido o trabalho.”
Joseph De Lappe
Megan mencionou um grupo do Facebook chamado “Asexual Research” mas ela não sabe se é ativo.
Keith diz que existem vários podcasts e blogs que tem feito o que ele faz, que é argumentar que um personagem é assexual ou arromantico, mas não necessariamente da forma mais crítica como ele trabalha. Ele diz que as pessoas o acusam de estar só fazendo headcanons, e que até colegas de departamento dizem isso a ele. Então ele pede para não adereçar todo personagem apontado como aro ou ace como “headcanon”, pois se a pessoa está fazendo um argumento crítico e uma análise crítica, na verdade eles estão fazendo uma pesquisa, mesmo que não seja no nível acadêmico.
Daniel fala sobre o tempo estar acabando e faz mais uma pergunta:
“Como alguém que não é acadêmico pode ajudar nas pesquisas?”
Sasha responde que antes de entrar no meio acadêmico, na verdade ela era uma estudante de música que também estudava psicologia, e, um dia, ela teve que ler um artigo na aula da Dra Brado e achou incrível, então mandou um email para ela perguntando se podia ajudá-la no laboratório. Dito isso, ela sugere que procurar por pesquisadores e acompanhar o trabalho deles se estiver interessado pode ser um bom começo. Mas é bom ter algum conhecimento sobre métodos de pesquisa, para poder entender e fazer sentido teoricamente.
Megan diz que não entendeu exatamente a pergunta e Daniel sugere ir para uma próxima pergunta então.
Antes de seguir para a próxima, Keith diz que, mesmo que você não esteja numa instituição acadêmica, se você está participando de pesquisas e respondendo elas, você está participando de discussões acadêmicas.
“Debates acadêmicos não são só professores sentados em escritórios cheios de livros. Academia existe em todos os setores da sociedade, e você, só por estar nesse painel e fazendo perguntas, você está participando da academia.”
Keith Derrick
Joseph complementa que o funcionamento de estudos sobre assexualidade não é diferente dos com gays e lésbicas ou trans. A grande parte deles é sobre teorias de movimentos sociais. Ele comenta sobre o século 19 e do início da sexologia e como o ativismo já estava lá a anos antes dos pesquisadores. Ele também diz que a comunidade está geralmente à frente dos pesquisadores e que tem vezes que ele mostra seu trabalho para alguém da comunidade e a pessoa aponta estar errado, e isso é muito importante.
“Não é o pesquisador que identifica algo e as pessoas começam a pedir por isso, é do jeito contrário. Os pesquisadores geram isso do que as pessoas já tem feito.”
“Pessoas da comunidade estão sempre fazendo nossas pesquisas acontecerem, não somos nós realmente.”
Joseph De Lappe
Megan sugere que, se você quer se aprofundar nesse cenário e, quem sabe, começar a pesquisar, enviar emails para o autor pedindo uma cópia gratuita do artigo, caso você não tenha como pagar para acessar, o autor provavelmente vai ficar muito feliz de te dar. Ela também menciona que tem um grupo no facebook chamado “Ask for PDFs from people with institutional access” (Peça PDFs para pessoas com acesso institucional), e que lá essas pessoas vão te passar o artigo que você precisa gratuitamente.
Daniel agradece a todes e finaliza a transmissão da mesa.
Tradução por Lori A.
Caso queira utilizar essa tradução, avise por email (aroaceiros@gmail.com)
Uma resposta para “Conferência Assexual 2020: Pesquisa”