Resenha por: Luna Evelyn
Revisão por: Lori A. D. Santos
Estou tão feliz que achei uma série sobre assexuais e arromânticos!
Assisti o drama japonês “Koisenu Futari” e tiveram tantas cenas que amei e me senti de fato representada. Na sinopse a história é descrita como sendo:
“sobre duas pessoas que são arromânticas e assexuais e começam a viver juntas. Sakuko acha difícil viver em uma sociedade que opera sob a suposição de que as pessoas vão se apaixonar umas pelas outras. Ela conhece o funcionário do supermercado Takahashi quando vai apoiar uma campanha de “apaixonar-se” de seu júnior no trabalho. Ela se assusta ao ouvi-lo dizer que tem gente que não se apaixona. Como a mãe de Sakuko continua apressando-a para se casar, ela decide se mudar e alugar um apartamento com sua amiga, mas sua amiga desiste no último minuto após se reconciliar com seu ex-namorado. Quando Sakuko está prestes a desistir, ela acaba morando com Takahashi sob o mesmo teto por causa de seus valores semelhantes em relação ao romance.
Ao invés de detalhar as cenas que gostei, vou elencar algumas questões que, como assexual e arromântica, senti ao longo da vida e foram tratadas na série. Assim você não terá muitos spoilers e poderá ter uma boa experiência ao assistir.
1. Desafio de ter sua própria casa/independência
Isso é uma das coisas que mais me afeta, porque é meu sonho. Porém, tem tantas coisas a se considerar… Na minha família (e olha que ela é bem grande, muitos tios, primos) existe esse pensamento de sair de casa apenas quando casar. Não que isso seja uma regra, mas está implicitamente forte.
Independente disso, temos que combinar que morar sozinho não é fácil. Pelo menos não para mim, tanto financeiramente quanto emocionalmente. Comprar uma casa ou alugar e morar sozinha com todas as despesas exige no mínimo um bom emprego e muita força de vontade. Afinal, vocês sabem quanto está o preço do gás? Quero morar sozinha, mas não ao ponto de passar necessidade.
Mesmo assim, eu poderia passar dificuldades por um sonho, não é? Acontece que, como falei, não é só financeiramente, é emocionalmente difícil.
Passei a minha vida toda morando com quatro pessoas, divido meu quarto a maior parte do tempo, seria realmente divertido e legal morar sozinha? Eu amo estar sozinha! Eu sei que se tiver financeiramente estável posso viver bem sem ninguém comigo, mas não dá para ter dois problemas de vez. Imagine… cansada, estressada com boletos e além disso não ter uma pessoa para conversar? Para apenas estar perto?
Geralmente as pessoas resolvem isso com namorados, mas bem… vocês já sabem porque não é fácil para mim achar um: eu não sinto atração como a norma exige. Então me vi na personagem principal da série, como se fosse um espelho! Ela feliz com a proposta da amiga de morar juntas.
2. Relacionamento queerplatônico
Você vai ver ao longo da série os personagens arromânticos tentando formar uma família sem sentimentos românticos. Isso é com toda certeza um Relacionamento Queerplatônico (RQP)! E é tão legal ver como eles defendem o conceito de família que pretendem formar. O fato de não ser obrigatório ter sentimento romântico é tão reconfortante, significa que tudo bem você não estar apaixonado, não é esse o pilar do relacionamento.
3. Alorromântico se declarando
Nossa, essa me pegou de jeito!
Uma das situações mais desconfortáveis e dolorosas é o sentimento de culpa por não corresponder alguém. A pessoa está lá sendo toda fofa e… Romântica? Você não faz a menor idéia do que fazer com aquilo, como se dessem nas suas mãos uma pintura abstrata bem cara que todos acham lindo, mas na sua cabeça não fazem sentido quais significados aqueles borrões tem. Você se sente tão mal educado de recusar, porque quem recusa algo tão lindo e precioso?
Um amigo uma vez fez isso, e na época eu não sabia que era arromântica. Eu desconfiava, mas não aceitava. Me sentia mal sem saber o porquê. Por que estou chorando? Por que isso é tão triste, se eu não sinto o mesmo que ele está sentindo?
Eu diria que é o medo de quase todo arromântico estrito: seu melhor amigo ou amiga se apaixonar por você. Amizade é algo importante que queremos e valorizamos e de repente lá está todo amor de amizade despedaçado pelo romântico. E quando você diz “eu te amo, como amigo” a pessoa só interpreta como uma forma de tentar suavizar um fora.
É realmente doloroso.
4. Chantagem emocional
Arromânticos estão muito vulneráveis a esse tipo de chantagem, justamente por não entendermos muito bem como alguns sentimentos funcionam e algumas pessoas podem se aproveitar disso.
“Nós não terminamos, demos apenas um tempo, então você não pode namorar”
“O que você entende sobre sentimentos? Deve ser bom um vida como a sua, sendo vazia”
“Afinal eu sou humana”
Foram algumas frases da série, mas aqui estão outras que ouvimos:
“Eu vou curar você”
“Você me iludiu, tenha responsabilidade emocional”
Essas frases são todas ditas por pessoas que estão frustradas com suas próprias questões, mas colocam a culpa no arromântico. A depender do aro, ele acaba acreditando nisso por pensar: “Eu realmente não entendo, ele está sofrendo e o sofrimento dele é pior que o meu”. A personagem tinha um pouco disso, ela era conhecida por ser gentil e as pessoas se aproveitavam disso várias vezes na série. Apesar de lidar com isso muito bem em suas palavras e atitudes, a atuação da atriz deixou claro como as palavras a magoavam.
Teve uma cena realmente dolorosa em que certo personagem expõe uma grande massiva expressão de sentimentos românticos, chorando e dizendo a dor que sentia por não ficar com a personagem. Isso foi difícil de assistir, e eu me pergunto “Realmente era necessário reagir assim na frente da personagem aro?”.
Eu sei que sentimentos românticos são intensos e dolorosos, eu senti uma vez. Porém, nunca coloquei o meu sentimento acima do bem estar da pessoa. Parece que alguns alorromânticos acham que só porque sentem atração romântica frequentemente, isso dá o direito de serem egoístas, de que não há nada demais dizer: “Eu te amo muito e você não me corresponder me causa uma dor enorme, não consigo olhar e interagir com você, cortaremos todos os laços porque é impossível te olhar.”
Substituta isso por atração sexual e verá como é desconfortável.
Não estou diminuindo a dor de ninguém, um coração ferido dói mesmo, mas não seria melhor lidar com isso com maturidade, ao invés de jogar no colo da pessoa amada/desejada essa frustração? Ela não tem culpa de não sentir atração, ela não precisa disso.
Só pense um pouco no próximo. Arromânticos tem sentimentos e se magoam, tenham cuidado com as palavras, não somos robôs.
Dois personagens alorromânticos se destacaram na história, um fez isso que descrevi, o outro lidou muito melhor com a situação. Gostei do desenvolvimento dele.
5. Amor/apego a família
Tem uma cena onde a personagem expõe seu amor à irmã e eu me emocionei muito, porque no fundo arromânticos sabem que a família é quem mais estará lá por eles. Os grandes amores que fariam tudo por você, não querem isso se você não corresponde as expectativas.
Os amigos do coração te trocam quando um parceiro romântico aparece, ou as vezes nem isso, um simples ficante pode tomar seu lugar. Mas a família está lá, apesar de não ser perfeita, ela está lá. Claro que cada caso é um caso, sei que muitos não tem uma boa família e isso não chega a ser reconfortante, mas se você tiver, então é provável que saiba do que estou falando. Acho que o apego a família foi bem abordado nos dois protagonistas.
Enfim, fiquei muito feliz de ver um drama japonês como esse.
Alguns adendos que são bons complementar e talvez não foram bem abordados: arromânticos e assexuais podem sentir atração romântica, desde de que seja pouca, fraca ou condicionada. Já no caso da série, os personagens eram estritos, não sentiam.
Eu entendo porque isso não foi colocado, o Japão tem outra cultura e as normas sociais lá são diferentes. Para começar como primeira série acearo muitas informações e detalhes poderiam atrapalhar. Digo isso porque na cabeça de muitos alorromânticos uma pessoa que sente atração, mesmo que seja rara, ainda a sente, então “não teria porque se identificar como arromântico.” Essa é apenas uma impressão, não sei muito sobre a comunidade arromântica do Japão, mas acho que fizeram um ótimo trabalho e deixaram claro em um dos episódios que cada arromântico é único. Existem muitas diferenças. Fizeram mil vezes mais do que qualquer outra série que já assisti.
Foram 8 episódios de 30 minutos que com certeza contribuiram de alguma forma.
Ah e foi tão bom ver as bandeiras!
Palavras da autora:
Um drama com protagonismo arromântico é muito raro de encontrar, então deem uma chance a série “Koseinu Futari”! Esses são alguns temas que eu, como assexual e arromântica, senti uma identificação ao longo da série e realmente me tocaram: desafio de ter sua própria casa/independência, relacionamento queerplatônico, alorromântico se declarando e amor/apego à família. Foram 8 episódios de 30 minutos, fizeram mil vezes mais do que qualquer outra série que já assisti. Mostra que não precisamos aceitar representações mal feitas e incompletas. Arromânticos e assexuais nunca aceitem nada que esteja abaixo da qualidade dessa obra!
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