Mansão dos corações errantes

Texto por River Gil Farias

E lá vamos nós, negar mais flores, cartas e amores. Pretensão, alguns dizem, de não aceitar as mais belas rosas que o dinheiro há de comprar, de responder cartas negando o mais carinhoso pedido, de relegar romance a outros mais afortunados. É estranho, talvez, para aqueles que nos enxergam tão prepotentes, que não precisemos das práticas românticas para sermos felizes. Estou aqui no jardim, onde eu plantei as sementes de todos os corações que parti. Putrefata já nasceu minha vontade de tecer os sentimentos que de muitos consomem a alma. As pedras, que banhadas foram nos óleos das flores, contornam a terra. Todavia, nem a mais efetiva enfleurage poderia tornar estas pedras menos repulsivas. Essas rochas, que surgiram das vulcânicas explosões de alheios desejos, se tornaram afiadas e cada vez mais duras, com o ódio provindo da rejeição de tantas almas apaixonadas. Os bancos e portões, esses foram feitos da madeira das flechas do cupido, que jamais conseguiram nos alcançar. No final do jardim, a mansão imponente toma forma. Abrem-se as portas apenas para aqueles cujo coração não tem morada. As escadas principais são imponentes, as paredes tingidas de verde, branco, preto e cinza, e no meio das escadas, um retrato de Atena. Vou para meu quarto, donde encontrei paz. Os travesseiros, o colchão, o som do ventilador. Eles me remetiam a minha infância, quando as princesas e os cavaleiros não se davam ao trabalho de me chamar. Adormeço, no mais profundo sono, como se anjos estivessem a meu lado. De pronto acordo com um estrondo, tentando entender o que é que haveria feito tal barulho. Repete-se o som nefasto. Logo me atino, é meu funesto desejo, fazendo o coração bater. Desejo, como diferes da atração, você tão íntimo meu, ela tão alheia. E mesmo assim pulsa, pulsa aquela agourenta voz, se não vozes. Espectros se manifestam com palavras tão familiares. Essas assombrações não entendem meu amago, muito menos minhas verdadeiras necessidades. Há algo de errado neste aqui, expressam eu e as figuras, como se um fruto podre eu fosse. Ao tomar conhecimento de minha alterna natureza, surgiu em mim a compulsão de achar alguém, de ter outro para que não mais houvesse em mim a dúvida se mantivesse, de que morreria só. Intragável é tecer para leitores quanto é violento o sentimento. Como uma distorção de Santa Luzia, meus olhos eu não quero ter para olhar ninguém, enquanto oro para se afaste de mim os vícios do romance. Meu amor não é brinquedo com o qual o cupido se diverte, ele é afetuoso e incondicional, mesmo que não convencional. Cravo em meu peito os desejos, e expurgo de meus pensamentos os namoros. Contornado pela mais pura aflição, grito, berro, ladro em vão. Desperto subitamente. Aquilo era um pesadelo, se não memória. Eu estou seguro, mas o dia amanheceu. Preciso sair e de súbito enfrentar meus medos novamente. De que adiantará, me pergunto, sem resposta aparente. Só sei que aqui é meu lar, nestas paredes, A Mansão dos Corações Errantes.


Palavras da autora:

Um jovem aro estrito que quer adicionar a comunidade Aro com seus textos. Aqui trouxe uma forma poética de refletir a parte mais sofrida da experiência aro de forma a tocar o coração das pessoas.

Instagram: @river_gil_farias

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